segunda-feira, 9 de maio de 2011

Para o Coração



PRÓLOGO
                Olhei mais uma vez pela janela. Não, ninguém atiraria pedrinhas naquela tarde. Levantei-me da cama. Vestia roupas simples, talvez as usaria para ir à padaria. Abri a porta da frente. Não levei o celular. Só levaram alguns passos para que eu atingisse a calçada. Direita ou esquerda? Sim ou não? Pular ou ficar? Gritar ou calar? Ser feliz ou fazer o certo?

               
                Era novembro. Cheguei em casa pisando nas nuvens. Mais feliz do que em qualquer dia que já vivera nos meus poucos 16 anos. Todos perguntavam o motivo daquele sorriso bobo, e eu nunca quis dar detalhes, com medo de que algum comentário profundo demais tirasse a profundidade daqueles acontecimentos.
                Deitei em minha cama. Fechei os olhos, mas eles se recusaram a deixar de ver imagens. Ele, eu. Nós. Amor. Abraço, beijo. Conversa, riso, brincadeira. Tudo que sempre sonhei, ele. Eu. Nós.
                E algo mais importava? Sem querer, acabei dormindo. E não sonhei. Não seria uma injustiça, alguém que vive numa realidade dos sonhos, sonhar?
                Acordei cedo. Era sábado. Sorri para o sol que brilhava de encontro com minha janela. Disse “bom dia” em pensamento para todos os seres que cantavam e voavam ao alcance dos meus ouvidos e olhos. Afinal, não é tão ruim acordar cedo. É como se todos estivessem esperando por aquele momento e ele finalmente acontecesse. Ao levantar-se tarde, mais parece que todos cansaram-se de esperar e foram embora.
                Tentei passar meu dia sem pensar nele. Em vão. Tudo que eu tocava, sentia, cheirava e ouvia fazia me lembrar dele. Ninguém percebia a ansiedade em que eu vivia, só para que o entardecer, finalmente, chegasse.
                Sentei em minha cama. Eram por volta de 5 horas da tarde. Aguardei. Uma. Duas. Três pedrinhas chocaram-se contra minha janela. Quatro. Um sorriso enorme formava-se em meu rosto. Cinco. Abri a janela. Não aguentei e soltei um riso feliz quando o vi.
                Lá estava ele, coração! Sorrindo, assim como eu. Lindo como sempre. Com o sol em seu cabelo castanho, parecia loiro.
                - Oi. – ele gritou.
                Virei-me e sai correndo. Abri a porta da frente e lá estava ele. Provavelmente saíra correndo também. O gramado do jardim era como uma centena de longos quilômetros. Ainda não era tempo de deixar de correr. Continuei, até que os braços dele estivessem em mim.
                Eu ri do meu desespero. Ele sorria, parecendo achar graça da minha situação. Já ofegante pela corrida rápida, perdi ainda mais o fôlego quando fui pega de surpresa por um beijo longo da única boca que eu queria beijar pelos próximos 100 anos.
               
                Coração, sei que você conhece todos os momentos, mas não pude deixar de contar um dos mais especiais que vivi com ele. Bom, vamos prosseguir com essa história, porque dói pensar em como tudo era tão diferente do que é hoje.
               
                Era uma noite de dezembro. Ele não atirou pedrinhas, como fazia todos os dias. Era nisso que eu pensava ao estar deitada em minha cama com uma expressão ligeiramente conturbada. Vício. Era do que eu chamava minhas tardes. Não sabia mais viver sem vê-lo diariamente. Sem ouvir pedrinhas baterem contra o vidro.
                O celular tocou, assustando-me.
                - Alô? – atendi, sem olhar o identificador.
                - Oi. – ele disse, fazendo-me estremecer e você bater freneticamente.
                - Boa noite. – respondi, tentando não demonstrar todas as preocupações que passavam em minha cabeça.
                - Me desculpe por não ter ido hoje. Acordei tão cedo de manhã! Tive de ir à casa dos meus avós antes de ir à aula. Quando voltei da escola, dei um fim em todos os afazeres só pra ter tempo de te ver. Depois, deitei no sofá para descansar um pouco e ao acordar, já era noite.
                - Você acordou agora a pouco?
                - Sim. Não. Mais ou menos. É que eu esqueci, entende? – não, eu não entendia. Eu não havia esquecido. Eu fiquei esperando enquanto ele esquecia-se de mim.
                - Não tem problema. Tá tudo bem. Mas amanhã você vem sem falta, né?
               
                Tentei não pensar sobre aquilo. Ele simplesmente havia esquecido ou havia feito coisas demais para lembrar-se. Mas, a verdade era que aquele foi o primeiro de muitos acontecimentos que tinham o esquecimento como causa. Coração, ele passou a esquecer-se de mim todos os dias. Chegava a ficar uma semana sem vir atirar pedrinhas em minha janela. Eu sofria, pois sentia muitas saudades dele. Além disso, ele não ligava mais para justificar-se, nem para dizer “boa noite”. E como, coração, uma pessoa viciada pode viver sem seu artigo de vício?

                Eu já não aguentava a situação. Sentia como se você estivesse sendo esmagado com mãos grandes e más o tempo inteiro. E depois, parecia que um buraco grande dominava toda a sua extensão. Eu estava infeliz. Completamente. Não sabia o que estava acontecendo. Eram quase um mês e meio sem que ele viesse me ver. Nesse tempo todo, ligou apenas duas vezes, falando friamente e demonstrando pouquíssimo entusiasmo quando eu falava sobre sair ou qualquer outro programa que envolvesse ‘nós’ como sujeito.
                Vou dizer, coração, que você não facilitou nenhum pouco a minha decisão de ligar pra ele e saber o que realmente estava acontecendo. Você batia loucamente dentro do meu peito ferido. Minhas mãos estavam mais trêmulas do que nunca. Peguei o celular e digitei o número, que eu sabia de cor, com um pouco de dificuldade.
                - Alô? – ele atendeu.
                - Oi. Bem, quero ir direto ao assunto, e quero que você faça o mesmo. E aí, o que é que está acontecendo?
                - Oi? Do que você tá falando? – ele ainda insistiu em fingir-se de desentendido.
                - Você sabe muito bem do que estou falando! Não aguento essa situação! Por que você mudou tanto? – minha voz saia sem dificuldade, movida à adrenalina e nervosismo.
                - Nossa, eu sabia que esse dia chegaria. Sabe, eu adoro você. Nunca conheci garota tão meiga e que gostasse tanto de mim. Mas é que não estou preparado para um relacionamento sério.
                - E por que você quis eu ficasse aqui sofrendo sem saber o que estava acontecendo se você sabia exatamente o que fazer? – pude sentir lágrimas formando-se nos cantos dos olhos, e outras escorrendo por uma bochecha corada de vermelho.
                - Mas eu não sabia como!
                - E o por quê? Você sabe? Por favor, seja sincero.
                - É que... Eu estou apaixonado por outra garota.
                - Era tudo que eu precisava ouvir. Adeus. Até nunca mais. – desliguei o celular apertando o botão vermelho com uma força absurda. Ouvi um ‘CRECK’, mas ignorei. Nada importava.
                Lágrimas escorriam tão rapidamente que pareciam apostar corrida umas com as outras. Era estranho. Parecia que eu já esperava por aquilo. Obviamente, sentia raiva. Raiva dele, da outra garota, do tempo que passei sofrendo, de quando éramos felizes, do tempo que eu sorria só de pensar nele, das pedrinhas na janela, das mensagens de celular – que foram todas apagadas após aquela conversa -, da voz dele, e de você, coração, principalmente. Aliás, foi tudo culpa sua. Fez-me amar tão profundamente alguém incapaz de me corresponder.
                Estava magoada com tudo e com todos. Nem dormir eu conseguia, o que me deixava ainda mais nervosa.

                Pois é, coração. Ainda penso que você é o culpado, mas já não sinto tanta raiva de você. Só um pouco, sabe. Só queria que eu estivesse tão bem quanto ele está. Estou triste e magoada. Nada mais parece me trazer felicidade. Sinto preguiça de viver, pois minha vida não é tão boa quanto antes. Acordar com disposição? Não mais. Que graça terá mais um dia sem meu vício? Nenhuma.

                Lá estava eu novamente esperando pelas pedrinhas na janela. Mais uma tarde vazia. Mais um dia sem-graça. Olhei pela janela. Ainda tinha esperanças de que ele mudasse de ideia. Quem sabe dessa vez alguém resolvesse lutar por mim e não eu lutar por alguém? O certo seria se eu continuasse ali, sentada em minha cama, só tentando esquecê-lo. Quieta, no meu canto. Senti um impulso e tive de segui-lo. Levantei-me da cama. Sai andando pela casa com minhas roupas não tão velhas mas também, nem tão novas. Abri a porta da frente. Lá estava o gramado verde, palco de tantos momentos felizes. Presenciou minha felicidade muitas vezes, mas agora só veria minha tristeza andando lentamente até a calçada.
                O concreto incitava-me. Olhava fixamente para uma rachadura que parecia responder todas as minhas perguntas. Ir para a direita, em direção à casa dele, ou virar à esquerda e ir ao supermercado mais próximo comprar chocolate e um pote de sorvete? A rachadura meio que apontava para o lado direito. Sou destra. O lado direito sempre foi mais certo. Passei para o lado contrário da calçada, e então, a rachadura passou apontar para esquerda. Opa, lado errado. Sempre foi. Quem sabe eu só estava do lado errado da calçada? Voltei para a posição inicial e forcei-me a aceitar que ir para a direita era correto.
                Andava com a mente alheia ao que acontecia ao meu redor. Cachorros latiam, crianças gritavam, pais desesperavam-se. E não era capaz de nota-los. Não foram necessários muitos quarteirões até que eu estivesse na porta da casa dele. Toquei a campainha com dedos que não tremiam, chacoalhavam. Escutei passos. Você desesperou-se. Segurei o lado esquerdo do peito com força, na intenção de contê-lo.
                Alguém abriu a porta. Era ele. Seus olhos arregalaram ao me ver.
                - Meu Deus! – ele gritou. Veio e me apertou num abraço - Que saudade!
                - Eu não devia estar aqui. – sussurrei tão baixo que tive esperanças de que ele não ouviria.
                - Devia sim! Entra! – puxou minha mão, levando-me para dentro.
                - Sabe, a gente pode conversar?
                - Claro! Como você tá? – ao chegarmos na sala de estar, pude ver que havia uma garota bonita sentada no sofá – Ah, essa aqui é a Louise.
                - Oi. – olhei pra ela, e depois de volta pra ele – Mas sabe, queria conversar em particular com você.
Enquanto eu dizia isso, Louise levantou-se e segurou a mão dele como se fosse uma propriedade dela.
- Er, quer dizer, acho que vou indo. Vejo que você está ocupado. – olhei para aquelas mãos unidas e senti um arrepio. Eu realmente não devia estar ali.
Saí pela porta sem olhar para trás. Andei pelas ruas correndo e tropeçando, chorando e enxugando lágrimas, sofrendo e te apertando com a mão. Estava doendo. E não era pouco.

Mais uma vez, coração, você me fez agir como uma idiota. Devia acostumar-me com isso, já que é impossível para mim deixar de ouvi-lo. Mas não. Lá estava eu seguindo um impulso que me impedia de fazer o que era racional. Culpa sua. Toda sua. Coração, já não dei argumentos suficientes para que você deixe que o cérebro seja responsável por esse tipo de situação? Minha mente sã é maluca sob suas rédeas. Ignorar-te parece impossível? E se eu fizer com que você pare de bater? Assim seria impossível para você dar palpite numa vida que deveria ser coberta de sorrisos e alegria.

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