segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Ladrão de Patinadoras

          

Numa noite, olhava a lua, e recordei-me de meus tempos de juventude, retornei, sem querer, a uma antiga e marcante lembrança.

          Minha obrigação era abrir a mercearia da família de manhã cedo, além de atender aos poucos clientes que ali vinham comprar qualquer coisa.
          Numa manhã de verão, com o sol escaldante que castigava todos que passavam pela rua, tive de abrir a loja um pouco mais tarde, pois o raio do despertador não havia sido programado. Por volta de nove horas da manhã, lá estava eu, um rapazote de 17 anos, levantando as portas.
          Olhei para a praça que localiza-se bem em frente à mercearia, mulheres, homens e crianças passavam calmamente, rindo e conversando, um cena típica de uma cidade do interior.
          Reparei numa garota - na verdade, era uma moça - que andava de patins fazendo círculos irregulares com seus pés e dando voltas nos grandes canteiros de grama e arbustos verdinhos.
          Usando um short mínimo e uma blusa de alças, transformafa o concreto sujo da praça numa deslumbrante pista de patinação.
          Seus cabelos loiros e longos dançavam em sua cintura. Suas pequeninas mãos balançavam em volta de seu corpo graciosamente, e às vezes ajeitava suas madeixas usando-as.
          Alguns dias depois, surgiram seguidoras para a bela patinadora. As duas outras garotas seguiam-na feito súditas, porém, mal conseguiam acompanhar seu ritmo.
          Tornou-se uma rotinha admirá-la. Todos os dias, às nove em ponto, esperava na porta da mercearia para poder vê-la. E então, certo dia, deparei-me com uma amiga da patinadora fazendo compras na mercearia.
          - Oi, com licença. É amiga da moça que sempre vem andar de patins na praça, estou certo?
          - Sou sim, por quê? Quer conhecê-la?
          - Er, bem... Queria conversar... - respondi timidamente.
          - Ah, desiste! Ela só tem olhos para o noivo.
          Fui tomado pela decepção enquanto olhava a amiga dela sair andando indiferente. Naquele dia, fui desencorajado a tentar conhecer a patinadora.
          Os anos passaram, o tempo voou. A patinadora deixou de vir desfilar sobre suas pequenas rodas. Não a via mais. Ela simplismente desapareceu. E então, deixei de esperar para vê-la.
          Fui estudar fora, conheci diferentes cidades e lugares. Explorei cantinhos desconhecidos por muitos nesse país. Descobri coisas que nunca imaginei que aprenderia. Tinha mulheres aos meus pés e a chance de poder escolher qual quisesse. Mas eu não queria nenhuma daquelas mulheres fáceis. Queria a minha pequena patinadora.
          Assim, meu tempo se passou. Quando me formei e consegui um bom emprego, saí de férias para a pequena cidade de onde vim.
          Era uma manhã de primavera, resolvi visitar a igreja localizada examente ao centro da praça. Ao chegar na lateral direita do santuário, reconheci alguém dentro de um carro grande e bonito, de cor azul-marinho.
          Era a patinadora.
          Ela desceu do carro.
          Encontrava-se num vestido branco deslumbrante, com os sapatos da mesma cor, dirigia-se para dentro da igreja com um pequeno buquet de flores coloridas na mão. Seus cabelos, agora curtos e castanhos, foram presos num penteado simples e delicado. Sua expressão estava satisfeita e feliz.
          A marcha começou.
          Meu coração acelerava tanto que parecia que iria explodir. Não podia acreditar. O desespero tomou conta de mim. Arrastei meu corpo até poder assistir a maldita cerimônia.
          A patinadora desfilava com seu pai pelo tapete vermelho, dentre as flores bonitas que faziam parte da decoração. Dirigia-se ao altar, onde um homem de terno branco a esperava. Era alto, moreno. Exibia um sorriso largo, com covinhas e um furo no queixo.
          - Ladrão de patinadoras - minha vontade era gritar, mas o máximo que consegui, foi dizer isso num murmuro.
          O que aquele homem tinha, que eu também não tinha?
          Coragem.
          Se eu não fosse um completo idiota, seria eu que estaria esperando-a no altar, vestido de branco e mostrando meu sorriso satisfeito, e ele chamaria-me de ladrão de patinadoras.

Balancei a cabeça para livrar-me dessas memórias dolorosas, saí da janela, de onde observava a lua, e deitei-me na minha cama de solteiro.

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